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emma vieira
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“Correr por gosto não cansa” são balelas  Empty “Correr por gosto não cansa” são balelas

Qua maio 24, 2023 9:10 pm
       Para hoje trago-vos um tema que é tão meu, faz tão parte de mim, mas que começo-me aperceber que talvez passe despercebido porque se calhar não o menciono suficiente, que é o facto de praticar ballet clássico à 14 anos. O ballet faz parte da minha vida desde que tenho memória, costumo dizer em tom de brincadeira que é a minha relação mais longa, com excessão da minha família. O ballet para mim começou pelo gosto de dançar, apenas por dançar, como expressão de liberdade e felicidade, mas progressivamente, apesar de não perder isso, tornou-se no hábito mesquinho de ansiar a perfeição, que como sabemos é um oásis no meio do deserto, é ilusório, mas inevitavelmente continuo a caminhar para lá. Falo no meu caso pessoal, mas sei que falo por todas as bailarinas, quando abordo este tema da perfeição, pois o ballet é uma arte tão rígida, tão minuciosa e tão detalhada, que seria lutar contra a corrente dizer que nunca estamos a procura do perfeito, porque estamos. Fazemos a mesma coisa milhares de vezes se necessário só para ficar clean, e sabem que mais? Nunca fica, para os contempladores pode muito bem ficar, mas há sempre algo que falta, algum erro, alguma perna não esticada, quinta mal fechada, um mau fouetté, etc. Isto aplica-se a todos os níveis desde uma escola de dança até à companhia mais prestigiada. Por isso, é que  consideramos o ballet uma arte tóxica porque tem por fundamento uma utopia, dado que errar faz parte do homem. Não há corpos iguais, nem todas as pessoas vão conseguir fazer o mesmo salto com a mesma coordenação e facilidade e isso devia ser tomado em consideração, mas não é.
     O ballet ao contrário dos hobbies de certamente muitas pessoas, não me traz paz, por isso nem sei se o posso chamar um hobbie e alimenta o meu maior defeito que é mesmo essa mesquinhice da perfeição. O ballet alimenta o meu ciclo vicioso de sair de um stress, que é a escola, e mergulhar noutro, que é o ballet. No entanto, ao contrário do que vocês podem pensar eu gosto disso, eu aprecio alimentar este ciclo e em alguma medida traz me felicidade, porque se não trouxesse não o continuava a fazer, só não sei se essa felicidade é saudável. 
       Os anos passam e a terceira posição torna-se quinta, o sorriso após a aula tornam-se lágrimas, as saias bonitas cor de rosa tornam-se calções pretos, free movement torna-se trabalho de reportório, as sabrinas tornam-se pontas, alongar na barra pequena torna-se alongar na barra alta, o alongamento de borboleta para aquecimento  torna-se espargatas para aquecimento, o rabo de cavalo torna-se um puxo apertado. Mas, as amigas do ballet tornam-se família, ao ponto em que a nossa própria família já as reconhece como família, partilhamos suor, lágrimas, lanche, roupa, elásticos, casa quando os ensaios são até tarde muitas vezes. 
     Com o ballet ganhei a Maria, que é das amigas mais trabalhadoras que tenho e que durante muito tempo consolidava ballet, teatro musical, orquestra, instrumento, aulas de canto, catequese e escola, mas estava sempre livre para me dar um abraço, uma palavra amiga, para fazer os meus puxos quando era pequena. A Maria deixou o ballet à algum tempo, mas ainda hoje é das minhas melhores amigas, é a pessoa mais energética que conheço e em todos os espetáculos, apesar de não dançar, está lá no backstage a maquilhar e a fazer os penteados a mim e a todas.Mas, sobretudo com o ballet ganhei a Inês, que é talvez a relação mais genuína que tenho, é a minha melhor amiga desde os quatro anos, que está lá quando tudo corre mal, que como costumo dizer limpa as minhas lágrimas mesmo quando está a chorar e que é o meu oposto, mas que me completa como ninguém o faz. Sei que posso contar com ela para tudo, que com ela não há filtros, não cortesias ou humildades, que não preciso de ser convidada para passar lá em casa a noite e vice versa. Sinto que nada disto seria possível sem o ballet. 
   E pelo meio, dançar é para minha uma forma de catarse, não o clássico, mas sim o contemporâneo, que é algo que todas as boas bailarinas de clássico acabam por explorar, é o que me sinto melhor a fazer, é onde me sinto viva e posso ser eu crua, sem a minha mesquinhice da perfeição. Tenho consciência que esta arte tem um peso grande na pessoa que sou a nível de valores e objetivos, que me ensina a ser persistente sempre, a nunca desistir, a ter as costas direitas no sentido literal e no sentido figurado, que me ensina que nem tudo é o que parece. Dá me gosto saber que as pessoas veem um bailado e ficam deslumbradas, porém muitas não tem consciência do esforço físico e mental que está por trás porque no ballet não existe tal frase “correr por gosto não cansa”, cansa sim senhor, mas continuas a correr, porque no fim compensa. 
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