ULNC - Uma Luz Na Caverna
Há muito mais para descobrir... Registe-se e venha discutir connosco!

Participe do fórum, é rápido e fácil

ULNC - Uma Luz Na Caverna
Há muito mais para descobrir... Registe-se e venha discutir connosco!
ULNC - Uma Luz Na Caverna
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.
Este fórum só permite textos de opinião ou resumos / tópicos relevantes sobre Filosofia, Ética ou Psicologia.

Ir para baixo
avatar
Sol
Aspirante
Aspirante
Mensagens : 15
Pontos : 45
Data de inscrição : 19/09/2023

Resultado da leitura do livro "Finalmente O Verão" Empty Resultado da leitura do livro "Finalmente O Verão"

Dom Jan 21, 2024 2:45 pm
Nome da obra: “Finalmente O Verão”
Autora: Mariko Tamaki
 
 
Detalhes do produto
Finalmente O Verão – de Mariko Tamaki
 
Ficha técnica  
Ilustração: Jillian Tamaki
ISBN: 9789898145666
Editor: Planeta Tangerina
Idioma: Português
Dimensões: 155 x 213 x 28 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 332
Tipo de produto: Livro
Coleção: Dois Passos e um Salto
Classificação temática: Livros em Português > Infantis e Juvenis > Literatura Juvenil
EAN: 9789898145666
1.ª Edição: abril 2015
1.ª Reimpressão:
janeiro 2020
 
 
 
 
 
 
 
 
Análise:
 
“Finalmente o Verão”, de Mariko Tamaki (texto) e Jillian Tamaki (ilustração), duas primas de ascendência japonesa nascidas no Canadá, é o quarto título publicado na coleção Dois Passos e um Salto, «para adolescentes e outros leitores mais crescidos», como desde o início foi apresentada pela editora Planeta Tangerina. Nada de equívocos, portanto.
 
A linguagem explícita que aqui aparece é até bastante soft, comparada com alguns «diálogos» avulsos que captamos na rua ou perto de qualquer escola. Se há pais, professores, livreiros e adultos em geral que preferem olhar para os adolescentes como se os pudessem conservar num frasco, talvez seja porque se esqueceram dessa época bruta, incerta, confusa e sempre angustiante que se sucede à relativa previsibilidade da infância.
 
“Finalmente o Verão” tem tudo a ver com isso e muito mais.
 
A maternidade é um dos temas que atravessam o livro de uma ponta à outra - e esta noção de «travessia» é, em si mesma, estruturante do ponto de vista narrativo. Primeiro, a travessia da família Wallace para a zona dos grandes lagos, um lugar idílico chamado Awago Beach onde desde há muitos anos passam as férias de Verão. Rose Wallace, adolescente magra e aérea como um galho, reencontra ali a amiga de infância, Windy, cujo corpo redondo contrasta com o seu e oferece já outra visão do feminino, menos agreste e mais maternal. Mas perceberemos rapidamente algumas das razões da crispação de Rose: um aborto espontâneo da mãe às seis semanas, ainda por curar, transporta o mal-estar e as discussões do casal Wallace para o desejado retiro no seu éden privado.
 
Interligando-se com o cenário familiar, o quotidiano rude dos adolescentes e jovens adultos da localidade de Awago Beach - e o impacto de uma gravidez não desejada entre duas personagens - adensam o clima sufocante da teia de relações humanas.
 
Surgem alguns presságios: as referências aos feiticeiros da tribo Huron, ancestrais habitantes daquela região do Canadá, agora convertidos em atração turística; ou a fantasmática figura do homem que aparece a Rose quando ela foge para o lago, avisando-a do perigo dos relâmpagos. No entanto, nada nos prepara a iminência da tragédia nem para o final redentor do livro. E essa surpresa é um dos deslumbramentos desta novela gráfica em tons de azul.
 
Mas esta é, essencialmente, uma travessia dos lugares cristalizados da infância, ainda com cheiro a gomas e refrigerantes e festas de pijama, para outros lugares insondáveis onde se fala (muito) de sexo, rapazes, casamento, filhos... Personagens que são, sobretudo, seres em transição: raparigas que gostariam de ser mulheres para serem desejadas; mulheres que gostariam de voltar a ser crianças só «para poder gritar e espernear», mulheres que não querem ter filhos porque elas próprias se sentem ainda crianças.
 
A maternidade, fortemente simbolizada nas águas uterinas do lago, recorda que «a mãe natureza nem sempre é a pessoa mais simpática do mundo». Por vezes, navegamos em águas turvas ou desconhecidas. Há perdas de sangue e de filhos; há conversas cortadas a meio e mensagens não respondidas no telemóvel. Há a eterna incomunicabilidade das coisas brutais, e também o esforço que fazemos para lhes dar um nome. Onde faltam as palavras, exorbitam as onomatopeias, traduzindo emoções, cheiros, sabores, sensações, gestos, movimentos, sons. Do muito grande ao muito pequeno, o espaço de página faz convergir espaços antagónicos e tempos paralelos com absoluta mestria.
 
“Finalmente o Verão” é uma história simples, real e permite a quase todos os leitores poderem encontrar nela, algo com que se relacionam. 
 
Relatam-nos as férias das amigas Rose e Windy, duas adolescentes que, desde muito cedo, passaram juntas as férias de verão, ao longo dos anos. Rose é ligeiramente mais velha que Windy e, no verão concreto, relatado nesta obra, essa pequena diferença de idade entre elas começa a ganhar relevância. Ao contrário dos verões anteriores, em que faziam todo o tipo de brincadeiras juntas, neste ano Rose começa a não ter tanta paciência para as brincadeiras e comportamentos mais infantis de Windy, e a ter outro tipo de interesses que surgem na puberdade: o interesse em fazer amizades com jovens mais velhos, mas também o interesse em observar com verdadeira atenção os adultos e as relações que eles têm entre eles. 
 
De facto, todas as crianças observam os adultos, mas é só a partir de uma certa idade, na adolescência, que começam a "dissecar" o comportamento adulto, reunindo dúvidas, colocando questões e começando a ganhar consciência de como poderão ser enquanto adultas. Ou como não quererão ser. Ora, isto é um paradigma que poucas vezes se vê num livro de banda desenhada, tendo em conta a sua profundidade. Mas isso também não faz com que “Finalmente o Verão” seja um livro demasiado técnico, do ponto de vista sociológico. 
 
Na verdade, esta é uma obra que se concentra em narrar eventos que até podem parecer mundanos e banais mas, aqui e ali, vão levantando o véu para assuntos mais sérios e maduros, que ficam subtilmente subentendidos na narrativa.
 
À semelhança do clássico da literatura infantojuvenil O Principezinho, de Antoine Saint-Exupéry, este é um livro que pode muito bem ser lido por uma criança mas que, no entanto, será o adulto que perceberá melhor os significados nas entrelinhas da narrativa. E por esse motivo, acaba por ser uma história soberba. 
 
Através da mera narração do dia a dia de Rose e Windy e de como ocupam as suas férias, Mariko Tamaki vai-nos mostrando as mudanças de interesses que acontecem forçosamente a todos nós, durante o período da adolescência. Tendo em conta que a narrativa versa sobre as férias, acentuando este amadurecimento natural dos jovens.
 
Mas não é só ao nível narrativo que este “Finalmente o Verão” brilha. Também ao nível gráfico esta obra surpreende e encanta. As ilustrações são-nos dadas a preto e branco, ou melhor a "azul e branco", o que permite à obra conquistar uma tonalidade cromática muito suave, com maravilhosos sombreados a azul, chegando por vezes a parecerem ter sido feitos com o recurso à esferográfica, que percorrem todo o livro, pautando de forma singular o aspeto gráfico da obra. 
 
O desenho de Jillian Tamaki apresenta influências quer do comic americano, quer do manga japonês, quer da banda desenhada franco-belga. Este misto de tantas influências permite à autora apresentar um estilo de desenho que acaba por ser original e apresentar a sua própria assinatura em termos estéticos.
 
Em termos de planificação de páginas, encontramos nesta obra bastante diversidade também. Por vezes temos páginas inteiras ocupadas com uma só ilustração, mas também temos páginas ocupadas com inúmeras vinhetas. Foi uma opção inteligente se tivermos em conta que o ritmo da ação possa ser lento para alguns leitores. Mas não confundamos ter um ritmo lento com ser entediante. Isso nunca acontece. A arte é sempre bonita para se apreciar e a história é sempre interessante para acompanhar.
 
Em suma, tudo o que é do foro gráfico parece pensado ao pormenor: os desenhos, a componente cromática, os próprios balões de diálogo, o tipo de letra, a capa em si, a lombada do livro… enfim, para aqueles que, como eu, apreciam o livro (também) enquanto objeto físico, este “Finalmente o Verão” é um livro lindíssimo e extremamente recomendável.
 
Opinião:
 
Literariamente falando, existem, a meu ver, cinco tipos diferentes de livros – os que não são bem o estilo do seu leitor e que, por isso, se tornam um pouco insignificantes na estante; os que são bons e servem, com agrado, o propósito de entreter; os que são mesmo muito bons e apresentam uma abordagem distinta e um trato natural; os que são puras obras de arte ao invocar emoções e ao pintar imagens eternas no seu leitor; e “Finalmente O Verão” de Mariko Tamaki.
 
Esta obra com argumento de Mariko Tamaki e cujas ilustrações ficam a cargo da sua prima, Jillian Tamaki, acabou mesmo por ganhar um Eisner para Melhor Álbum Gráfico, entre vários outros galardões. Mas, prémios à parte, que valem o que valem, uma coisa é certa sobre este livro: é absolutamente maravilhoso. Uma autêntica obra de arte da banda desenhada. Só é a pena que a encadernação tenha sido em capa mole porque parece-me que merecia, claramente, uma capa dura. Mas, nem isso melindra a beleza deste livro.
 
Tenho perfeita noção de que por diversas vezes dissertei sobre não ter, em mim, palavras suficientes para descrever uma leitura que me encheu por completo as medidas... mas “Finalmente O Verão “ é um caso ainda mais extraordinário, de uma magnificência e riqueza supremas, e de uma originalidade, tom e aproximação com o real sublimes. 
 
Muito mais poderia ser dito sobre “Finalmente o Verão”. É um daqueles livros que não hesitamos em classificar como obra-prima, por muito batida que esteja a palavra. E ainda bem que agora se escrevem tantas obras-primas na literatura infantojuvenil. Mas nada de equívocos, novamente: este é um livro «para adolescentes e outros leitores mais crescidos», que muitos adultos deviam ler pelo menos duas vezes.
 
Não vou dar mais largas ao conteúdo deste livro pois, tal como foi comigo, quero que partam para a sua leitura a saber muito pouco, ou quase nada, acerca do mesmo.
 
Creiam somente “Finalmente O Verão” que se trata de uma banda desenhada excecionalmente bem escrita, com personagens de peso, ricas em experiências, e sentimentos, e emoções, em descobertas, e explosões internas, e de abordagens temáticas tão incrivelmente reais, e palpáveis, que atingem o leitor que nem uma bala.
 
Atrevo-me ainda a dizer que, “Finalmente O Verão” não é um YA para ser lido uma única vez, e sim para ser saboreado ocasionalmente, retirando pequenas pérolas e ensinamentos de cada leitura, particularidades que ganham um novo encanto e estima “– acreditem que ainda nem ia a meio deste livro e já tinha vontade de voltar ao início!”
 
Adorei todo e cada momento desta leitura. Mariko Tamaki passou para o meu top de autoras sobrenaturalmente incríveis e invulgares e mal posso esperar pela oportunidade de ler outra obra sua.
 
Uma aposta por parte da Editorial Planeta Tangerina que deveria de figurar na estante de todos os apaixonados por livros, além de que é a leitura perfeita para o Verão – ou para o Outono, ou para a Primavera, até mesmo para o Inverno... 
 
Uma obra de arte da banda desenhada, repito!
Ir para o topo
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos